quarta-feira, dezembro 20, 2006

Há festa no hospital?

Haverá algo pior do que os programas televisivos da tarde? Com certeza que sim. Embora numa primeira análise nos pareça impossível que exista algo mais nocivo que os ditos programas, se pensarmos bem, existe algo pior: os programas natalícios em hospitais. Na época que agora tem lugar, fastidiosos programas televisivos a terem lugar em hospitais invadem a já de si pobre televisão portuguesa e baixam ainda mais o seu nível.
“Há festa no Hospital”, é este o nome do programa que a TVI transmite. “São cinco horas de espectáculo”, dizem os responsáveis. Espectáculo? É no mínimo inaceitável. Quanto às cinco horas, infelizmente é um facto. E estou convencido que só não colocaram o programa das 14 às 20, porque os Morangos com Açúcar têm o seu lugar firme. Os apresentadores são Cristina Ferreira e Manuel Luís Goucha, ou seja, uma repescagem do Você na TV. Logo aí o programa fica condenado à mediocridade. Mas o pior de tudo é mesmo o leque de convidados musicais. Ontem apareceram, entre outros, Mónica Sintra, Coro da Leopoldina (?), Mickael Carreira, FF, D’ ZRT, Toy, Zimbro, Estado de Espírito, Ronalda, 4 Taste, Docemania, Santamaria, Pólo Norte… Portanto, uma mistura de músicos desastrosos e músicos que compõem para os Morangos com Açúcar. Ou seja, não se trata de uma mistura mas apenas de músicos desastrosos. É um dos raros programas televisivos onde se assiste ao intervalo com prazer e se aproveita para ir à casa de banho e tratar de outros afazeres quando alguém está a cantar. Importa também reflectir sobre o espírito natalício presente em músicas como “És tão sensual” do Toy, que a existir está muito bem camuflado. Mas isso deixo ao cuidado do Berimbau, já que ele revela grandes capacidades de encontrar o espírito natalício nas coisas mais esquisitas. Outro facto interessante é o desinteresse próprio que este programa me transmite, a mim e a muitos outros. De facto, estou convencido de que as crianças que se encontram na plateia são as únicas a extravasar algum entusiasmo por este marasmo televisivo. Faz sentido, são as únicas que não possuem ainda cultura musical. Acho portanto de mau gosto que os responsáveis pelo programa escolham artistas reles para encherem chouriços em palco, aproveitando-se da ignorância e falta de espírito crítico musicais do público presente. Não podia também deixar de criticar o nome que escolheram para este evento. Há festa no hospital? – pergunto eu. Num local onde coabitam paralíticos, indivíduos com hemorragias internas e velhos acamados, onde o transplante de rins, a radioterapia e o toque rectal se tratam por tu, parece-me complicado haver farra. Mas a ser possível, porque só acontece em alguns dias de Dezembro? O Natal não é quando o homem quer? Então porque não ser festa todo o ano nos hospitais portugueses? Até era uma boa ideia, cada hospital cortava nos fármacos, no material de limpeza e no pessoal médico, e investia na construção de uma sala de espectáculos, uma discoteca e uma zona de bares. Podia ser que os doentes portugueses se curassem mais rapidamente. Já imagino os flyers da discoteca hospitalar: “Sábado 9, noite Leukemia. Os pacientes com leucemia não têm consumo mínimo e têm uma bebida de oferta.” Ou então “Sábado 9, Broken Arm Party, com o DJ convidado Humerus. Quem aparecer de braço ao peito tem uma vodka de oferta.” Era giro. Sobretudo nesta última festa, onde quem não tivesse um braço partido poderia pedir um “jeitinho” ao porteiro.
Agora que já dissequei toda a minha aversão a este tipo de lixo televisivo, aproveito para desejar um bom Natal aos (poucos) que visitam este espaço tão débil da Internet, uma vez que a probabilidade de eu escrever aqui até dia 25 é bastante baixa, pois parece-me que os Delfins não vão actuar em qualquer programa televisivo até lá, e portanto não tenho grande objecto de sátira, de momento. Podia falar da chatice que é fazer anos na véspera do Natal, mas estou bem assim. Podia também manifestar a minha indignação pela direcção da RTP ter colocado o Gato Fedorento de fora da quadra natalícia. E é o que acabo de fazer. Podia finalmente concluir este post, uma vez que o seu tema já há muito que foi abandonado, e de há umas linhas para cá só tenho vindo a insistir em lérias. E é o que faço, não antes de referir que vou aproveitar as férias para passar para o formato digital um texto que escrevi sobre o Sarau de Ciências e que é muito aguardado pelos leitores deste blog, particularmente por mim. Trata-se dum texto escrito maioritariamente nas horas mortas de faculdade, ou seja, nas aulas, sobre esse memorável evento de 2005, que vem completamente fora do contexto do Vou Ter Um Enfarte, mas como sou eu o responsável pela linha editorial, e me estou a borrifar para isso, vou publicá-lo. Até à próxima.