quarta-feira, fevereiro 06, 2008

O factor piço


É a bola que fica a saltitar na linha e não entra, é o autocarro que perdemos e acabamos por conhecer a mulher da nossa vida na paragem, é o exame de escolha múltipla que fazemos ao calhas e passamos… Pois é, são estes pequenos instantes da nossa vida governados por aquilo que parece ser um acesso de sorte, que de facto podem mudar todo o restante curso do nosso trajecto terreno. Mas afinal, o que é a sorte? É de facto um acaso, um conjunto de coincidências, ou é parte do destino? Não sei. Mas como de qualquer das formas parece ser controlada por Deus, decidi convidar o próprio (Deus) para uma entrevista, o que até é bastante conveniente porque como se sabe Deus está em todo o lado, e portanto não surgiram aqueles habituais problemas quanto ao local ou hora da entrevista. Passemos então à dita cuja.


Eu: Bom dia Sr. Deus, como tem passado?

Deus: Olhe, já tenho passado melhor, tem estado frio e eu tenho-me ressentido das costas, de modos que também tenho andado mais ausente, até porque o médico me recomendou que ficasse em casa a repousar.

Eu: Mas então também Deus tem problemas de saúde?

Deus: Claro homem, eu já ando por cá há 20000 milhões de anos, a idade não perdoa.

Eu: Pois… E será por andar mais afastado que têm ocorrido mais desastres naturais?

Deus: Não, antes pelo contrário, os desastres naturais são brincadeiras que eu às vezes faço para descontrair, e também para as pessoas se lembrarem que eu ainda estou activo e que não preciso de muletas como já alguém tentou sugerir.

Eu: E então o tsunami na Indonésia em 2004 também foi uma forma que Deus arranjou para se divertir?

Deus: (gargalhada) É curioso que me fale nisso… Não, o tsunami aconteceu porque eu dei um murro na máquina do café. Estava a preparar o café, e não sei porquê, a máquina não estava a trabalhar, e então eu dei-lhe um soco. E se um bater de asas de uma borboleta em Pequim pode provocar um tufão na Florida, imagine-se o que um soco de Deus na máquina de café pode fazer na Indonésia.

Eu: Muito bem. Então, Deus, afinal o que é a sorte?

Deus: Bem, a sorte é no fundo a maneira que eu encontrei de as pessoas acreditarem em mim, na minha existência. Isso e aquele fulano que eu mandei cá abaixo há 2000 anos.

Eu: Humm… Não quer explicar melhor isso?

Deus: Não, mas se quiser posso ensiná-lo a fazer um rolo de carne que é daqui. (Deus indicou a orelha)

Eu: Não, muito obrigado, mas agradecia que concretizasse melhor aquilo que disse em relação à sorte.

Deus: Bem, repare numa coisa. Imagine um indivíduo que foi despedido, cuja mulher o abandonou, e que descobre que o filho é homossexual. Esse homem está desesperado, verdade? Agora imagine, que no dia em que ele se prepara para cometer suicídio, descobre que ganhou o euromilhões, encontra uma boazona que imediatamente se apaixona por ele, e descobre que o seu filho foi morto à pedrada, o que é que esse homem pensa? Pensa: “afinal, Deus existe”. É assim que isto funciona. Diga-me lá, o que é que pensou quando tirou 10 naquele exame de Zoologia para o qual não estudou?

Eu: Pensei no quanto os professores eram burros, ao ponto de deixarem passar alguém que responde que as membranas celulares são feitas de betão armado.

Deus: E não pensou que eu de facto existia?

Eu: Não, aliás, convenci-me que de facto você não existia, porque o seu papel ali seria dar-me nas orelhas.

Deus: Então acho que vou ter de rever os meus procedimentos…

Eu: Pois, também me parece. E já agora, aproveitava para lhe fazer uma última pergunta. O que aconteceu à Maddie?

Deus: Bem, eu não vou arriscar contar-lhe, pois já se sabe que quando algo surge que vai contra as pretensões dos McCann, aparece sempre alguma coisa a favor da tese de rapto que tanto interessa àqueles pais. Portanto não vou estar aqui a dizer que foi a mãe que matou a filha graças a uma overdose de comprimidos para dormir, porque numa batalha entre mim e o Daily Mirror, parece-me óbvio que eu sairia a perder e em descrédito.

Eu: Como queira. Resta-me agradecer a sua presença aqui, e em todo o lado.

Deus: Ora essa.

Eu: E lembrá-lo de que para a próxima seria melhor que não fumasse, porque agora é proibido, e se aparece aí a ASAE é uma chatice, quer para mim, quer para Deus.

Deus: É verdade, tinha-me esquecido! E eu até ando a tomar as pastilhas Nicorette a ver se deixo o vício… E já se sabe que Deus perdoa, a ASAE não…


Bom, depois disto só espero não ser confundido com a Alexandra Solnado.